Wintech : Para começar, de que forma a KLx e o grupo Crédit Agricole estão atualmente a integrar soluções de Inteligência Artificial nos seus processos e serviços? Há algum caso concreto que possa partilhar connosco?
Luis Ribeiro: A KLx, sendo uma empresa de software, tem um grande foco em otimizar os processos de desenvolvimento, de forma que consigamos apoiar os nossos developers no seu trabalho do dia a dia. Por um lado, procuramos o apoio da Inteligência Artificial (IA) no enriquecimento ou mesmo na geração de documentação, tanto funcional, como de código ou de testes. Por outro lado, apoiamos os nossos developers na realização do seu código usando ferramentas de IA que tanto podem sugerir excertos de código, como podem também sugerir casos de testes ou mesmo código de teste.
Para tal, estamos a usar ferramentas de AI do mercado, mas também estamos a desenvolver os nossos próprios projetos que vão facilitar o trabalho dos nossos colaboradores.
Wintech : Muito se fala sobre o potencial transformador da IA, mas na prática, quais são os principais benefícios tangíveis que já observaram, em termos de produtividade e eficiência operacional?
Luis Ribeiro: Dentro do grupo Crédit Agricole, já fizémos alguns estudos e chegámos à conclusão de que, na área de desenvolvimento, podemos ter aumentos de produtividade que podem chegar aos 30% usando ferramentas de AI. Além disso, e de forma mais geral, cada vez se tem tornado mais evidente que as ferramentas de IA (mais especificamente, de IA generativa) podem poupar-nos bastante tempo na escrita de emails, criação de apresentações, documentos, entre outros.
Wintech : Quais são as áreas de negócio onde, na sua opinião, a IA está a ter um impacto mais imediato e mensurável? Processos internos, experiência do cliente, análise preditiva...?
Luis Ribeiro: Os processos internos são, sem dúvida, a área onde estamos a apostar mais. Além disso, estamos também a criar produtos inovadores que vão ajudar os nossos clientes - dentro do grupo Crédit Agricole - a tornarem-se muito mais eficientes, o que terá um grande impacto a diversos níveis para os nossos clientes finais.
Wintech : Em empresas de desenvolvimento de software como a KLx, que papel específico a IA assume no ciclo de desenvolvimento de produto? Já estão a recorrer, por exemplo, a ferramentas de IA generativa para acelerar código ou design de soluções?
Luis Ribeiro: Sim, já estamos a usar ferramentas de AI generativa na aceleração de código. Estamos também a desenvolver produtos/soluções internas baseadas em IA generativa para acelerar imensamente a nossa resposta e a sua qualidade. Estamos a contar ter resultados e um impacto direto e claro até ao final deste ano.
Wintech : O hype em torno da Inteligência Artificial pode, por vezes, distorcer as expectativas. Que mitos ou ideias erradas considera importante desmistificar sobre a aplicação real da IA no mundo empresarial?
Luis Ribeiro: Em primeiro lugar, a IA não é “magia”. Por vezes, ouvindo algumas apresentações no mercado, parece que basta recorrer a um tipo de IA e tudo “automagicamente” se torna fácil, rápido e 100% correto. Para que as aplicações/soluções de IA tragam bons resultados, é necessário haver dados corretos e em quantidade suficiente. Tudo começa aqui. Não vale a pena pensar em soluções fantásticas que tragam uma inovação brutal se não existirem os dados que suportem essa solução. É necessário realizar uma análise exaustiva, que inclui muita tentativa e erro, até se chegar à solução final, que traga bons resultados.
Por outro lado, não podemos resolver os problemas todos de uma vez. É muito mais eficaz se pensarmos no nosso processo interno de forma integrada – e, só isto, em muitos casos, já é um trabalho considerável -, escolher um ponto que tenha espaço de melhoria e aplicar ferramentas de IA nesse ponto. Depois de estar a funcionar, passar então ao ponto seguinte.
Um outro mito que gostava de desmistificar, tendo em conta a atualidade, é que a IA pode ter resultados espetaculares em diversas atividades, mas não é capaz de substituir o ser humano. Na melhor das hipóteses, o que pode acontecer é que uma equipa de humanos, com a ajuda de IA, pode ter resultados tão bons como uma equipa maior com apenas humanos. Mesmo assim, dada a falta de talentos que se prevê que venha a existir no mundo ocidental no futuro próximo, eu diria que, para a sociedade ocidental como um todo, a IA pode ser mais uma “bênção” do que uma “maldição”.
O último ponto que gostava de abordar é que a IA é inerentemente não determinística. Isto significa que, pela sua própria natureza, a IA tem uma margem de erro significativa. Por exemplo, um processo completamente baseado em IA não pode substituir uma linha de montagem de uma fábrica que tenha um nível de qualidade de, digamos, 99,99% (muito provavelmente nem de 90% ou nem de 80%). Se isso acontecesse, a qualidade do resultado final iria inevitavelmente diminuir, o que, a breve prazo e por diversas razões, iria levar essa fábrica ao encerramento. Não confundir, no entanto, com a completa robotização (automatização) das linhas de montagem que tipicamente não dependem de IA.
Wintech : A IA também levanta questões éticas e de governance. Que medidas ou boas práticas estão a ser implementadas na KLx para garantir o uso responsável e seguro da Inteligência Artificial?
Luis Ribeiro: O ser humano está sempre presente no processo, isto é, todos os resultados têm que ser devidamente supervisionados por humanos. A segurança dos dados é crucial, pelo que tanto a localização, qualidade, validação e os modelos a usar são verificados para a conseguirmos garantir.
Assim, realizamos todos os esforços para que não haja enviesamento nas respostas: os dados fornecidos e os resultados dos modelos são testados e validados para evitar discriminações ou tratamento injusto seja de que forma for.
Wintech : Acredita que, a médio prazo, a Inteligência Artificial poderá ser uma aliada decisiva na competitividade das empresas europeias face a outros mercados mais avançados, como o norte-americano ou asiático?
Luis Ribeiro: Acredito que a Europa não tem outra hipótese que não seja munir-se de todas as ferramentas, incluindo a IA, para melhorar a sua produtividade. Caso contrário, continuaremos a perder toda e qualquer relevância num mundo que não se compadece das opções que tomamos. Se olharmos para a história, a Europa, sempre que contribuiu com algum avanço ou inovação significativos, teve importância: seja com a expansão marítima a partir do séc. XV, seja com a revolução industrial, com a criação do mercado único europeu e da implementação dos ideais liberais no pós segunda guerra mundial.
Neste momento, vemos que as grandes inovações tecnológicas, que estão a ter impacto no mundo, estão todas a ser lideradas por potências fora da Europa. A manutenção do nosso estilo de vida – que, apesar da nossa perceção por vezes não nos deixar perceber, é muito acima da média mundial - e dos direitos adquiridos, só é possível se tivermos pujança económica. E, caso não haja um recuperar do tempo perdido, rapidamente haverá retrocesso a esses níveis.
Wintech : Olhando para o futuro: quais as grandes tendências de IA que acredita que vão moldar o setor tecnológico e empresarial nos próximos anos?
Luis Ribeiro: Fazer previsões a longo prazo em tecnologia é muito difícil. Tipicamente, as sociedades são demasiadamente otimistas no curto prazo e demasiadamente pessimistas no longo prazo. Posto isto, na minha opinião, vejo que a miríade de ferramentas que todos os dias surgem vão consolidar-se em volta de um conjunto mais limitado de nichos de mercado.
Penso também que o mundo do open source irá rapidamente ganhar terreno e acompanhar melhor o avanço das aplicações comerciais, o que pode ser extremamente vantajoso para países com menor dimensão económica como Portugal. O Hugging Face ou o DeepSeek são exemplos desta evolução.
Penso que a IA mais geral não vai impor-se num futuro próximo, não por causa dos investimentos (que já podemos ver que as grandes tecnológicas mundiais estão a posicionar-se nesse xadrez), mas sim porque os grandes avanços na IA estiveram sempre ligados a avanços na antropologia, biologia e da neurologia. E, neste campo, ainda estamos um pouco longe de entender (ou encontrar uma abstração que explique razoavelmente) o cérebro humano.
Wintech : Por fim, que mensagem gostaria de deixar às empresas portuguesas que ainda olham para a IA com hesitação ou receio? Por onde devem começar?
Luis Ribeiro: Como já disse anteriormente, devem entender os seus processos e os seus dados. A isto acrescento que devem também entender bem o seu mercado e onde está o seu valor acrescentado. Estas são bases que, se não existirem, não faz qualquer sentido iniciar uma estratégia de implementação de IA.
Depois, é necessário perceber que o tópico da IA não é uma “moda passageira”. É verdadeiramente uma mudança de paradigma. Se não nos adaptarmos rapidamente, iremos ter problemas num futuro próximo. Costumo dizer que a IA é um comboio que já está em movimento e está a acelerar rapidamente. Quanto mais tempo demorarmos a apanhá-lo, mais difícil vai ser. Se nós não o apanharmos, alguém o há de apanhar por nós.
No entanto, Portugal sempre foi conhecido pela sua adaptabilidade e pela excelência em engenharia. Temos bons exemplos de empresas bem conhecidas que se baseiam em IA para obterem sucesso, além de grupos de investigação na academia que dão cartas a nível mundial. Por isso, olho para o futuro com confiança.
Agradecemos à KLx, em particular ao Luis Ribeiro, e ao grupo Crédit Agricole pela disponibilidade e abertura em partilhar connosco e com o auditório da Wintech esta visão tão relevante e esclarecedora sobre a aplicação da Inteligência Artificial no setor tecnológico.